A busca do unicórnio tupiniquim

Por Julio Vasconcellos 16/09/2015 - 17:12 hs

O termo unicórnio tem sido muito usado por investidores e empreendedores de tecnologia. Nesse universo, “unicórnios” são startups que têm valor de mercado superior a 1 bilhão de dólares, um clube que, hoje, conta com 108 empresas em todo o mundo, de acordo com lista mantida pelo Wall Street Journal.

Entretanto, nenhum desses unicórnios está no Brasil. Não só isso: no nosso histórico de empreendedorismo de internet, nunca foi visto um desses seres mágicos do mundo dos negócios.

As razões para explicar esse vazio são muito discutidas nos círculos de investidores de capital de risco no país, porém, não há um consenso quanto aos motivos.

Acredito que existem três pontos que nos ajudam a pensar sobre a inexistência de unicórnios brasileiros.  O primeiro deles é o mais simples, e, por isso, o que melhor explica o fenômeno lamentável: nosso mercado digital, até poucos anos atrás, não era grande o suficiente para fomentar a gestão de unicórnios.

Vejamos: há cinco anos, o e-commerce brasileiro movimentava pouco mais que R$ 10 bilhões por ano, e há 10 anos a movimentação não chegava nem a um terço desse valor. Os números da publicidade online são um pouco menores, mas também estão no mesmo patamar do que observamos no e-commerce.

Somente nos últimos anos chegamos a uma escala suficiente para comportar um possível unicórnio brasileiro focado no mercado nacional.

Sem desculpas

Mas o fato de o mercado no Brasil não ser grande o suficiente não é desculpa para a falta de unicórnios por aqui. Nossos hermanos do oeste, os argentinos, produziram um grande unicórnio, o Mercado Livre, maior case de sucesso de tecnologia na América Latina. Além disso, o país produziu, recentemente, um segundo unicórnio junto com a Globant, empresa líder na América Latina na criação de softwares, em sua maioria para clientes estrangeiros.

A verdade é que na lista de unicórnios existentes em todo o mundo não faltam exemplos de startups de pequenos países com pequenos mercados que construíram grandes empresas, como a Spotify, na Suécia, e a Waze,  em Israel.

Acredito que a falta de sonhar grande entre os empreendedores brasileiros ter a ver com o fato de o nosso país ser um mercado bastante grande, mas que faz com que os empreendedores se acomodem em criar produtos apenas para o mercado interno. Se você é um empreendedor da Argentina, da Suécia ou de Israel não tem outra opção a não ser olhar para fora, para maiores mercados.

Vale dizer também que, como não temos um histórico de unicórnios nacionais de sucesso, torna-se mais difícil incentivar as futuras gerações de empreendedores a terem confiança e a pensarem que sonhar grande pode, sim, dar certo. Ou seja, ter como espelho cases de sucesso é importante.

A terceira razão que enxergo como explicação para a falta de unicórnios brasileiros tem relação com a dificuldade de acesso ao capital. Startups precisam de capital para crescer, porém, no Brasil, esse ingrediente era muito escasso: há até cinco anos, existiam poucos fundos de capital de risco (venture capital) relevantes e ativos no país.

Além disso, o nosso histórico de alta taxa de juros torna o investimento em startups (e nos fundos que investem nelas) muito menos atrativo do que em mercados onde isso não prevalece. A dificuldade de levantar capital para os fundos e a falta alguns unicórnios nacionais, também tornam os possíveis investidores nacionais mais avessas a arriscar em novas empresas.

Empresas com sonhos grande, muita delas que requerem muito capital para chegar lá, e muitas, sem modelo e histórico de receita provado, acabam sendo jogadas para escanteio por ser apostas  muito arriscadas. Um case clássico que mostra isso é o Videolog, site de vídeo brasileiro desenvolvido antes do YouTube e que tinha como sonho tornar-se uma plataforma de abrangência mundial. Porém, a empresa acabou tendo dificuldades de captar investimentos como seu “irmão” americano YouTube.

No futuro

Eu acredito que é possível termos unicórnios brasileiros em um futuro não tão distante, daqui três a cinco anos. Isso porque o mercado online brasileiro hoje já tem escala suficiente para comportar uma empresa bilionária nacional. Além disso, o mercado digital continua crescendo de forma acelerada e deve continuar assim por muitos anos.

Também vejo que muitos empreendedores brasileiros já sonham grande com o mercado global. Vimos anteriormente, por meio de exemplos de empreendedores de países com mercados pequenos, que é, sim, possível construir empresas de tecnologia globais, mesmo fora do Vale do Silício.

Muitos empreendedores brasileiros passaram temporadas no exterior, trabalhando tanto em grandes empresas de tecnologia como também nos atuais unicórnios.  A experiência possibilitou a alguns brasileiros ter acesso a conhecimento que agora importam para a criação de suas próprias startups por aqui.

O acesso ao capital de risco, embora ainda prejudicado pela alta taxa de juros, melhorou muito no país. Hoje, temos um excelente grupo de fundos focados no Brasil e investindo em centenas de startups locais. Além disso, atraímos a atenção de grandes fundos estrangeiros que investem no mercado local, muitos deles com maior apetite a risco e dispostos a financiar, com grandes aportes, empresas com ambições. Há até poucos anos, isso era inconcebível no Brasil.

Por fim, pensando que boa parte dos unicórnios internacionais nasceu após uma profunda mudança tecnológica – a chegada das redes sociais ou o lançamento do iPhone –a  última razão pela qual tenho esperança no surgimento de unicórnios brasileiros  tem a ver com a grande transformação tecnológica que está acontecendo no país devido ao crescente acesso da população a smartphones que permitem acesso fácil à internet. E esse evento cataclísmico (a possibilidade de haver um smartphone no bolso de cada brasileiro) é algo que muda de forma estrutural a relação de inter-dependência entre o “mundo online” e o “mundo offline” e a influência disso no nosso cotidiano, transformação que cria inúmeras oportunidades para empreendedores que estão buscando criar o primeiro unicórnio tupiniquim.